Vamos juntos e livres por Brasil, Bolívia, Peru, Chile e Argentina.

Epílogo - Certo Jardim Paulistano da América do Sul

  Para Maria José Dupré e  Francisco Marins.

  Para Veri e o García Márquez que ela me ajudou a conhecer (com votos de que o Coronel Aureliano Buendía, quando reencarnar, esteja pronto para amar de verdade).

  Desejando a lembrança e a consideração dos amigos e primos, reais e imaginários.
Janeiro/2012

    A chuva de março passara e eu já fumara o derradeiro cigarro do maço, mas as águas de janeiro começavam a cair e, pelos cálculos baseados na média dos últimos trinta anos, provavelmente avançariam por muitos dias, inundando cidades, destruindo futuros, confundindo lembranças.  Os bons espíritos, apesar da desgraça anunciada, retornavam mais uma vez e me faziam rabiscar em folhas velhas e amareladas, já preenchidas pelas lembranças, memórias novas que ressignificavam as antigas, sem, contudo, dar por encerrado um passado de progresso duvidoso. Arranquei do caderno já escrito as oito folhas que havia prometido num sonho distante, ocorrido em tempo incerto e data imprecisa. Separei uma folha pra cada um, sem deixar ninguém de lado. Um dia mostrarei todas para quem quiser ver.

Chuvas...em março ou janeiro, Ribeirão Preto ou Macondo... (ilustração de Carybé)

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    Eu tive um melhor amigo na infância. Nunca admiti isso pra ele nem pra ninguém, mas hoje admito. Nas listinhas que a gente fazia com os nomes dos amigos por ordem de importância eu sempre o anunciava em quarto ou quinto lugar. Ele, pelo contrário, dizia que normalmente eu era o primeiro da sua lista, mas às vezes, quando brigávamos muito, caia pra segunda posição, e então o Zé Mario, que hoje é advogado bem sucedido, me passava. O melhor amigo morava no mesmo quintal que sua avó, Dona Hermelinda, na casa dos fundos, com seus pais, e tinha uma cachorra preta que um dia me avançou. Os pais dele nunca o deixavam sair pra rua, porque achavam perigoso, e ele vivia querendo brincar de faz de conta. Eu implicava com aquilo de brincar com miniaturas dos comandos em ação - embora no fundo adorasse - porque desejava brincadeiras que fossem mais reais como subir nos telhados, entrar nas construções, jogar pedras nas vidraças, brigar contra a gang do Hulk e do Luizinho, que moravam na maloca da rua Ceará.

  Meu outro amigo, mais velho, mais alto, mais forte e que tinha o pé grande, sujo e calejado, morava em frente à casa da Dona Hermelinda, na avenida Estrada de Ferro mesmo, e tinha um irmão que levava o apelido de Cascão, não sei se por não tomar banho ou se por parecer mesmo com o personagem do Maurício de Sousa.  Sua casa não tinha portão e ele morava com a mãe no cômodo dos fundos que cheirava a mofo. Possuía um Atari velho, cujos PAC MANs e RIVER RAIDs a gente passava tardes e tardes a jogar. Eu gostava do cheiro de mofo daquele quarto, que me soava aconchegante, e gostava de jogar atari, embora nunca conseguisse chegar às fases mais avançadas. Ele também gostava de brincar na rua e tinha mais coragem do que eu pra aprontar coisas erradas e pra enfrentar os inimigos da rua Ceará e da pracinha.
   
    O outro amigo, que tinha coragem de aprontar e de brigar mais que todo mundo, morava abaixo da casa da Dona Maria, a vendedora de gelinhos que tinha um marido chamado Seu Domingos. O menino, meu amigo, era magrelo, pequeno, tomado por cicatrizes, revoltado. Depois de um tempo descobri que era filho adotivo e tinha sido muito maltratado na primeira infância, por isso tinha raiva do mundo. Foi o primeiro moleque que deixei roxo depois de uma briga. Sempre tive medo do sujeito e ele sabia disso e aproveitava minha covardia pra me tripudiar. Fui guardando a raiva dentro do peito até que um dia explodi e bati nele que nem gente grande. Depois disso perdi o medo e o batia sempre que me sentia ofendido ou atacado.  Apesar das brigas, tenho que dizer que sempre lhe gostei, embora não o deixasse entrar dentro da minha casa porque meu pai não confiava nele, e não nego a importância que as brigas que travamos tiveram na minha formação de homem macho.

     No SESI, eu também tive vários amigos, mas dois eram especiais: um que morava perto da minha casa, com o pai, a madrasta e a irmã Cris, e outro que morava na Vila Harmonia, mas passava vários dias da semana na casa da avó, que às vezes me parecia mal assombrada, perto da pracinha. Tive relações conflituosas com os dois. O primeiro me causava inveja por estar sempre sorridente, por ter tênis e roupas melhores que as minhas, por não ter vergonha de conversar com as meninas, por ter dinheiro pra comprar gelinho sempre que quisesse e por achar a vida bela e simples; o segundo me causava raiva por ter vários livros, pronunciar o R feito paulistano, embora tivesse nascido e sido criado no interior, e ser considerado o menino mais inteligente da classe (só porque era filho de gente importante) por todas as professoras, exceto pela Tia Cristina, que me achava disparadamente o melhor e me chamava de Rui Barbosa.

 O imã do cigano tudo atrai. O tempo tudo separa. (ilustração de Carybé)


    Eu adorava brincar com esses amigos, mas nunca tive coragem de juntar todos eles e montar uma turma. Quando meus primos vinham passar alguns dias na minha casa, raramente meus amigos participavam. Eu tinha medo que meus primos gostassem mais dos meus amigos do que de mim e vice-versa, e então evitava misturar as relações. Não sei bem porque tinha esse sentimento. Até pouco tempo não sabia que o tivera. Não sei por que tratava alguns melhor que outros.  

    O fato é que todos esses amigos seguiram suas vidas, enquanto eu sigo a minha. Muitos não conhecem a consideração que guardo por eles e o pranto que lhes chorei por arrependimento e saudade em longas noites chuvosas e quentes  desses verões sombrios do sudeste brasileiro. Não me peçam pra falar sobre tudo isso olhando-os nos olhos. Eu não saberia expressar com palavras sonoras o que penso e sinto caso os encarasse de frente, até porque outros sentimentos viriam à tona e o que quero demonstrar aqui e agora é só amor e amizade.

    Quando a gente é criança e não tem a noção exata de que somos seres individuais (e individualistas) podemos nos escorar e quase nos misturar com outros serezinhos de nossa mesma espécie pra nos livrarmos de nossas dores. Se ficamos tristes, basta ir à casa de um amigo pra sorrir o riso dele e despejar a tristeza no chão. Mas a vida nos leva, de um jeito ou de outro, a nos tornarmos nós mesmos e a nos separarmos do bando. A dor da separação é inevitável e irremediável. É a dor da vida. Cada um procura a seu modo e em vão se apropriar de coisas externas para preencher o buraco que ficou.

     Como venho percebendo isso tudo desde sempre, cada dia de um jeito diferente, resolvi falar aqui com você que andou muito tempo misturado comigo:  se me enchi de planos de viagens, guerras e revoluções e não logrei com isso suprir o insuprível, pelo menos percebi que por todas as ruas que eu caminhar, independentemente da esquina que eu dobrar, no contrário do meu horizonte - que é o que chamam de fundo dos olhos - os passos que andei com vocês estarão sempre a me guiar, como que mostrando que tudo o que está sendo construído em mim agora se assenta numa base feita lá atrás, na infância perdida que vivi comunitariamente antes de saber que eu era alguém sozinho. Se já dobrei a esquina necessária e me submeti a seguir o caminho da dor, o que me resta é aceitar a felicidade que independe dos fatos e das circunstâncias. E eu aceito.



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    Meus amigos reais e imaginários, da infância ou de qualquer época da minha vida, terminei outra viagem, mas meu sonho ficou ainda maior. Se minha América é mesmo infinita, por que não jogo a teimosia de lado e me entrego de uma vez ao inimigo imaginário do norte que por doença desconhecida criei? Nem tente entender...O importante é que mais uma etapa ficou pra trás.

    Tornarei a escrever em maio ou junho deste ano. Quando estiver em Lima, Trujillo, Bogotá, Caracas, ou (mais provável) Cartagena, no meio da Infinita América III, em frente ao mar do Caribe, mando notícias e reafirmo a saudade, o sonho e a esperança que não morrem jamais.

 

Salvem as ilhas perdidas e as montanhas encantadas.

Abraços...




A primeira e a segunda imagem foram extraídas do livro Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez;
A terceira e a quarta, respectivamente, das capas dos livros A Ilha Perdida, de Maria José Dupré, e O Mistério dos Morros Dourados, de Francisco Marins.

30 - As últimas cervejas (ou Na bagagem só eu)

     21/05/2011

    Conforme relatado no post anterior, passei vinte e três horas no ônibus, entre Salta e Puerto Iguazu. Acho que meu corpo nem estranhou o fato de ficar tanto tempo sentado/deitado, pois nos últimos 23 dias eu havia passado por tantos solos diferentes, caminhando, e permanecido sem andar dentro de tantas variedades de veículos terrestres, que àquela altura do campeonato, quando só faltava levantar a taça, meu esqueleto e meus músculos não podiam estranhar mais nada, só seguir inertes. E a inércia nesse caso era mágica e ilógica, impossível de ser mensurada, explicada, entendida.

     Desci na rodoviária de Puerto Iguazu e até estranhei a tranquilidade do lugar. Atravessei uma passarela colorida que leva até a área de embarque intermunicipal e, sentindo o peso da bagagem e o vento da fronteira no rosto, não pude deixar de sentir orgulho de mim mesmo. Eu não havia ganho nenhuma guerra, não havia obtido nenhuma grande promoção no trabalho, não havia desbravado nenhuma região inóspita, continuava tão perdido e tão pobre quanto antes, mas estava terminando uma viagem que me propusera a fazer desde muito tempo, e isso era sim, e continua sendo, motivo de alegria e realização.

     Pensei em prolongar minha estada em Puerto pra terminar a Infinita América II do jeito que começamos, eu e Marcel, a Infinita América I, curtindo a noite da cidade fronteiriça argentina, tomando Quilmes de um litro no gargalo, brincando de ser revolucionário ou bon vivant. Ou os dois. Mas olhei pro céu que podia ser brasileiro ou estrangeiro e percebi que a viagem tinha chegado ao fim. Peguei o coletivo  que me levaria até Foz do Iguaçu e desci num ponto perto da região central, já em terras brasileiras. Tirei uns trocados no banco e parti de moto táxi pra rodoviária da cidade. Devia ser quase cinco horas da tarde e o sol brilhava forte na cidade paranaense. Comprei a passagem pra Araraquara, atravessei a rua morta da parte de baixo da rodoviária e descansei o corpo e a mochila num bar tomado por mesas com propaganda da Brahma e da Skol e por gente de estirpes variadas. Tomei 4 garrafas sozinho, e tomaria mais. A boa e velha Brahma.
    Eu já estava na terceira garrafa, misturando fantasia e realidade, quando um cara que parecia a mistura do Gilberto Gil com certo andarilho que conheci em Araraquara começou a tocar reggaes, sambas e mpbs. Um sujeito da mesa do lado pediu pro músico tocar Ventania, e ele tocou Só para Loucos. Cantei junto, errando a letra, obviamente. Tomei a saideira e deixei vinte reais de gorjeta. O artista estranhou. Respondi que ele merecia e me fui.


* * *

   22/05/2011

   A viagem de volta pra Morada do Sol foi tranquila. Dormi quase o caminho todo, ajudado pela mistura de cevada e álcool que tanto acalma. Os vinte e três dias de viagem passaram voando. Parece que foram vinte e três horas bem vividas. Na rodoviária, não havia ninguém me esperando. Mas Araraquara, como sempre, me recebeu de braços abertos, com um céu azul e uma brisa de outono que lograram me emocionar. Meus pais me esperavam curiosos e admirados, com o almoço quase pronto, e pudemos conversar com um despojamento e uma verdade poucas vezes conseguidos por nós até então.

* * *

    Antes de voltar a trabalhar ainda tive uma semana de férias que aproveitei pra organizar este blog, as fotos, os encontros pra por as conversas em dia. Poucas pessoas se interessaram pelas coisas que vivi e contei aqui, mas justamente essas poucas são as que valem, e são suficientes. E não posso deixar de agradecer a você que leu, acompanhou e tentou compartilhar das experiências desse sujeito contraditório, egoísta e falastrão, que usou muito desse espaço pra se exibir, mas que também tentou, de coração, experimentar o prazer da felicidade compartilhada, por acreditar, embora ainda não consiga colocar a crença em prática, que só ela é verdadeira.
   O combate ao egoísmo continua e continuará pra sempre. Pra isso, precisamos uns dos outros, e por isso quero vocês ao meu lado. E me coloco, com o pouco que hoje tenho, à disposição.

29 - Os últimos momentos no estrangeiro

20/05/2011

Salta, la linda


      Eu poderia não escrever nada nesse post e simplesmente enchê-lo de fotos da cidade de Salta. Poderia ocultar que fumara marihuana com um dos caras do hostel na noite de 19/05, depois de ter tomado um monte de cerveja num dos bares da peatonal balcarce. Marihuana da boa, plantada e cultivada por ele mesmo, o cara do hostel. Marihuana bem diferente dessa prensada - chamada de 'paraquaya' pelos argentinos - que fumamos no sudeste do Brasil.

       As estripulias da noite, entretanto,  não me impediram de acordar cedo e dar o último giro pelas ruas argentinas, antes de embarcar de volta, rumo a Foz do Iguaçu.  Sendo assim, resolvi não ocultar nada, já que a parte que me diminui não foi forte o suficiente pra anular a parte que me faz (e fez) sacudir a roupa suja, respirar até encher o pulmão e tudo mais, e seguir a passos firmes pelos caminhos que, já percorridos ou não, permanecem sempre vivos na minha mente de boa e errática noção geográfica.

     Passei pela Balcarce pra fazer fotos do point noturno salteño, mas de dia o calçadão estava sem graça nenhuma. Andei mesmo sem rumo certo, passando por ruas e praças cheirosas e iluminadas, querendo chegar de um jeito ou de outro na estação de onde partem os bondes (teleféricos) rumo ao cerro San Bernardo. Cheguei à estação, tomei o bonde, andei pelo cerro, descansei o corpo pelos bancos de madeira vazios, mirei dos mirantes. E lá de cima, olhando as ruas aparentemente planejadas da cidade estendida, percebi que minha vida andava realmente sem sentido. O que buscamos? O que eu buscava ali, sozinho? Pra que fazia aquilo? Pra teimar em realizar sonhos de num tempo passado, no qual era bom sonhar? Ou pra poder contar pra todo mundo, depois, o tamanho da minha coragem? Pra matar o pai inimigo que eu criara dentro de mim, mostrando: olha o que eu faço sozinho? Perguntas cujas respostas não virão, mas que o tempo tratará de aquietar, espero.

      Hoje, percebo o que naquele momento, em cima daquele cerro, talvez eu tenha vislumbrado como fumaça distante. Percebo o quanto a minha geração é covarde e perdida. Nosso mundo nos impede de focar a visão em qualquer coisa que seja. Nossa mente está nas nuvens. Podemos fingir que somos o que quisermos. Podemos brincar de casar, brincar de ser adulto, de ser viajante, de ser escritor, de ser músico. Podemos acreditar e falar aos quatro cantos (mesmo em português errado) que somos maduros, conscientes, donos de  si (de nós) e da verdade, mas na verdade, com trinta ou trinta e cinco anos, somos ainda (e mais ainda) um bando de adolescentes.

        Desde pequeno eu tive a possibilidade de vestir um bom uniforme e ir pra escola munido de razoável material escolar. Até caixinha com lápis de cor (doze cores) eu tinha (e giz de cera), mas ficava com inveja dos colegas que tinham caixas de lápis com 24 ou 36 cores. Meu pai só completou a quarta série do ensino fundamental e quando tinha oito anos já ia pra roça ajudar na colheita de café. Levava marmita, que comia fria.
       Eu fui pra um monte de cidades, alguns estados, meia dúzia de países. Meu pai nem carro dirige. Por um momento longo me achei bom por conta dos lugares que conheci. Hoje me acho ridículo. Durante quase minha vida toda achei que não poderia (deveria/gostaria) me espelhar em meu pai pra nada. Hoje tenho nojo de mim por ter pensado assim e digo pro meu orgulho: não adianta chorar como quem pede pena, arque com seu passado. De um tempo pra cá tenho tentado olhar pro velho e recuperar o que perdi em trinta anos de falsa rebeldia. Não sei se vou conseguir. Não sei porque estou falando essas coisas. Esse, definitivamente, não é um blog pra você que quer encontrar informações de viagem. Essas são palavras de alguém que está perdido e que luta pra aceitar o otimismo como caminho verdadeiro, mas que tende sempre, como os bêbados, andarilhos e amantes da noite, a cair no poço do pessimismo que paralisa. Mas ouça: isso vai mudar. Está mudando. Nasci para fazê-lo, e lograrei.

       Fato verdadeiro é que ali, em cima daquele cerro, alguém soprou nos meus ouvidos pistas e dicas sobre a vida. E ainda dá tempo de acertar. Fato verdadeiro é que Salta é mesmo uma cidade linda, que vale a pena ser conhecida e explorada. Não deixe de ir ao Museu de Arqueologia de Alta Montanha (onde há corpos mumificados); fique atento ao horário da siesta, das 13h00 as 16h00, durante o qual a maioria das lojas fecham para que os donos e funcionários possam almoçar e dar aquela dormidinha tão latina que, às vezes, dá sentido à vida.

      Outros fatos verdadeiros:

    - fui a pé, quase correndo, pra rodoviária e por pouco não perdi o ônibus;
    - o ônibus tinha excelente serviço de bordo (também, foram 23 horas ali dentro, de Salta a Puerto Iguazu);
    - assisti "Marley e eu" dentro do ônibus e tive que fingir que olhava a paisagem pela janela pra esconder da holandesa que estava ao meu lado o quanto eu chorava de tristeza por conta da morte do cão;
    - as fotos abaixo não são boas, mas valem muito mais à pena do que o texto de pseudo redenção que escrevi aqui.
       

A peatonal Balcarce, sem graça à luz do dia. 

Monumento sem cheiro 


O bonde 

Vista do Mirante - cerro San Bernardo 

Ruas retas. Planejamento? 





Muro do convento 






Adeus, Argentina!






28 - Cafayate, timidez e política

19/05/2011


     Acordei muito cedo, com uma leve ressaca, dispensei o desayuno e desci as escadas do hostel em direção à rua, pra esperar a van que me levaria a Cafayate. O simpático e afeminado recepcionista disse que eu poderia esperar ali dentro, pois tocariam a campainha pra me chamar, mas preferi ir pra rua. Sentei-me na beiradinha da mureta do ponto de ônibus, ao lado duma mulher bem humorada que esperava seu circular. Ela puxou assunto comigo. Se encantou por eu ser brasileiro, por estar viajando sozinho, e me contou partes importantes de sua vida. Trabalhava de empregada doméstica em casa de gente importante, fora casada mas estava separada do marido há um bom tempo, tinha dois filhos jovens.  Mostrava otimismo e resignação. A resignação racional de quem tem que se virar pra sobreviver e lida com isso natural e orgulhosamente. Mostrava simplicidade. Não lembro exatamente do rosto da mulher, muito menos do nome, mas sua voz e as palavras que falou estão bem guardadas. E ficaram de exemplo. São pequenas conversas de viagem, como essa, que permanecem e se fixam na memória das emoções.  Exemplos de simplicidade não faltam, falta certa atitude pra segui-los.

 

    A van atrasou uns minutinhos. Fui o último a ser pego e acabei indo na frente com o motorista, um gordinho corado, falante dum espanhol marcado e bem articulado, possuidor de boa dicção. Falava muito, o homem, explicando cada paisagem por onde passávamos, contando histórias.  Trocava os cds a todas hora. Colocou um do Roberto Carlos, em homenagem ao Brasil. Uma dupla de senhoras originárias de Buenos Aires, mãe e filha, delirou com as músicas do rei. Rei pros outros, não pra mim. 
     Além das porteñas, havia dois casais de espanhóis, uma moça da Alemanha e um casal de alguma parte da Argentina. Todos simpáticos e falantes. Me ofereceram chicletes, água. Não aceitei e demorei pra me entrosar. Fiquei tímido no meio daquele povo. Pareciam todos mais adultos, maduros, na vibe do turismo familiar, não da aventura, como eu.




* * *


     A cidade de Cafayate é muito bonita, pequena e charmosa, cheia de bodegas. O trajeto até ela é mais bonito ainda, conhecido como 'quebrada de Cafayate'. Na verdade, a estrada que liga Salta a Cafayate segue o curso do rio de las Conchas. O caminho é chamado de quebrada por ser mais estreito que um vale comum. Possui formações rochosas cuidadosamente esculpidas pelo vento e pela chuva, ao longo do tempo.




O caminho...












A pequena cidade...




 Música folclórica salteña...


     




    Na volta, o pessoal veio conversando de política. O espanhol dizendo que a crise vivida por seu país se devia ao fato do governo haver liberado, durante um certo tempo, crédito muito grande para a população. Era possível comprar de tudo, e pagar em não sei quantos anos. Entrei na conversa e disse que o Brasil estava indo pro mesmo rumo e que quebraria daqui uns anos se não mudasse. E o papo se estendeu...o motorista criticando as políticas de apoio aos mais pobres praticadas por Cristina Kirchner, que vão na linha do Bolsa Família, implantado por Lula. Entrei na conversa de novo e disse: "quando praticada na Europa, esse tipo de política, dizem, é filha do welfare state, quando praticada na América do Sul, é chamada de populismo; no Brasil, o que o Lula fez deu certo, e aqui vai dar também". A van toda aplaudiu minha comparação simplista e verdadeira. E pude ir orgulhoso, depois de me despedir de todos e tomar um banho no hostel, pruma casa onde tocava música folclórica salteña, algo mais ou menos equivalente ao nosso sertanejo raiz. Haja cerveja pra tanta sede!


"Moja tus pies en su arena,
entra a esta tierra viajero
y bebe de ese venero
que tiene su gente buena,
si hay algo que te encadena
y queda dentro de ti,
cuando te vayas de aquí,
llévate para tu viaje
de Cafayate el paisaje
y este cielo Calchaquí."

José Ríos

27 - Quanta estrada...

18/05/2011


     De La Quiaca a San Salvador de Jujuy foram seis ou sete horas de estrada e de San Salvador pra Salta, mais duas. A primeira etapa ocorreu num ônibus simples, cheio da gente humilde do norte/nordeste argentino. São pessoas de origem indígena, sofridas, nada parecidas com  porteños,  rosarinos ou cordobeses. Não vou dizer que a viagem foi maravilhosa, simplesmente pelo fato de eu estar na Argentina. Foi osso passar tantas horas dentro do busão depois de ter viajado a noite inteira a bordo dum trem apertado.
    
     Diversos homens mascavam a folha de coca do jeito que só os argentinos do norte conseguem fazer. Eles pegam uma porção média de folhas e as colocam num dos cantos da boca, prensando-as na bochecha  e deixando-as ali durante muito tempo, às vezes durante horas. Na verdade, não mascam a folha, mas vão engolindo a saliva misturada com o caldo da erva.

    Meu humor estava um pouco abalado. Não gostei da forma como fui atendido na rodoviária de La Quiaca. O rapaz me vendeu a passagem dizendo que o ônibus iria direto para Salta, mas depois fui descobrir que só iria até San Salvador de Jujuy e de lá teríamos que embarcar em outra condução. Eso no me gustó nada. Dentro do ônibus, uma bagunça só. Muita gente, sacolas e malas pra todo lado, 'mastigação' generalizada de la hoja, alguns borrachos.

    Fiquei um tempão isolado numa leitura qualquer, esperando o humor melhorar pra eu poder socializar. E como sou um cara bão, rapidamente fiquei bem e puxei conversa com o rapaz que estava sentado ao meu lado mascando tranquilamente suas folhas de coca. Ele tinha a mesma idade que eu, se chamava Juan, era natural de alguma cidadezinha do interior da província de Jujuy e vivia do comércio de roupas, comprando de regalo na Bolívia e vendendo na Argentina. Rapaz simples, inteligente e de personalidade. Viu o livro do Che que eu carregava e disse: 'não gosto desse tipo'. Perguntei o motivo. Ele disse que achava aquele revolucionário argentino um assassino. Não discuti. Eu estava mal das palavras naquele dia e não conseguia entender tudo que Juan falava.

      Em San Salvador me despedi do hermano com um aperto de mão forte. Tomei um lanche barato na lanchonete da rodoviária e esperei impacientemente a chegada do ônibus que me levaria até a cidade de Salta, conhecida como la linda. O espanhol Francisco, que a essa hora já devia estar curtindo a beleza exótica e caótica de La Paz, me dera boas referências sobre Salta e seu povo. Eu estava animado, mas ao mesmo tempo muito cansado, necessitando de um banho quente e de uma boa cama.

     A viagem de San Salvador de Jujuy a Salta ocorreu num ônibus de dois andares. Fiquei no mais alto, só curtindo o visual da ruta argentina, a paisagem já familiar, a atmosfera típica de lugares já conhecidos, ainda que nunca frequentados. Na Argentina me sinto assim, já falei sobre isso. E repito. Grande experiência conhecer um país que sempre despertou interesse e mágica em mim. O triste foi (e é) perceber que a imaginação sobre algo desconhecido e admirado é sempre mais bela e perfeita do que a realidade que o conhecimento desse algo traz. Exemplos: A Argentina da memória que tenho dos meus sonhos e imaginações é melhor que a Argentina que descobri; a ideia que sempre tive do futebol em geral foi se desvanecendo à medida que passei a conhecer a realidade e os bastidores futebolísticos; a idolatria que eu exercia em relação aos meus músicos favoritos se perdeu conforme fui percebendo que são tão humanos como eu. Enfim, estou repetindo o óbvio, mas...a realidade desanima. Continuemos sonhando, então.

* * *

     Salta não leva o título de 'la linda' a toa. É realmente uma bela cidade. Européia, diriam alguns, mas eu digo, é uma cidade tipicamente argentina. Surpreende pela organização urbana, pela arquitetura que mescla edifícios coloniais (conservados e valorizados) e prédios modernos, pelo relativo senso cívico da população, pelo comércio forte e vivo, pelos museus, pelas praças protegidas por guardas à noite, pelos passeios peatonais...

     Meu primeiro dia ali foi daquele jeito, corrido. Não dava pra perder tempo, pois era fim de viagem, e eu precisava aproveitar. Cheguei 15h00 na cidade e me hospedei num hostel do centro, em quarto coletivo misto. Fechei passeio pra Cafayate, pro dia seguinte. Voltei pro hostel pra tomar banho e dormir um bocadinho. Recuperado, saí a procurar comida. Bife de Chorizo e cerveja artesanal local. A conta? Quase un regalo. Está barato ir pra Argentina, e virou moda. E isso me incomoda, a coisa da moda. 

    Fechei a noite tomando algumas garrafas da cerveja Salta num pub escuro e quase vazio da peatonal Balcarce. Depois de jantar e perambular pelas ruas, encontrei o famoso calçadão cheio de bares, pubs e boates da capital salteña. Escolhi, escolhi, escolhi e acabei optando pelo estabelecimento mais escuro e aparentemente mais underground do pedaço. Me dei bem, porque conheci uns caras gente fina, que inclusive fizeram questão de pagar a conta desse humilde brasileiro. O dono do bar e mais dois clientes eram, así como yo, torcedores do glorioso Racing Club de Avellaneda. E teve cantoria, na certa.


     
Sí, la nuestra es una hinchada diferente,
No es amarga como la de independiente...

26 - Espera, fronteira e casa

17/05/2011

Espera

     Chegamos de volta a cidade de Uyuni pelas quatro horas da tarde. Havia pouca coisa pra fazer. Estávamos extasiados ainda depois da visita ao grande salar. O bom mesmo seria passar a noite no deserto de sal pra ver o efeito das estrelas no chão branco. Infelizmente não foi possível, fica pra próxima. O que restou foi esperar dentro do hotel, conversando com o restante do pessoal, andar pela cidade, voltar pro hotel e esperar mais.
     Numa das esperas conhecemos um grupo de europeus que passaria a noite ali e no dia seguinte faria a rota até o sal. Uma das integrantes, espanhola braba,  reclamou do estado em que tínhamos deixado o banheiro do nosso quarto (meu e de Francisco, o espanhol). Deixei a discussão pro meu parceiro, pensando 'eles são espanhóis, eles que se entendam'. O camarada explicou que não era culpa nossa, pois  realmente havia um vazamento que impedia o chão de ficar totalmente seco. Acho que ela entendeu.

     Meus 'bolivianos' (dinheiro local) estavam acabando. Tive que escolher entre uma breja ou comida. Optei pela breja, pois gosto de ter a sensação de que fui guerreiro e dormi mesmo com fome. Todos da minha turma iriam para La Paz, só eu faria o caminho contrário, em direção à Villazón/La Quiaca (fronteira entre Bolívia e Argentina). Fiquei triste, com uma saudade antecipada. Ajudei a turma a levar as malas até o ponto de onde sairia o ônibus e me despedi. Esperei mais uma hora na recepção do hotel. Conheci duas argentinas de meia idade, muito simpáticas, conversadeiras, Mirthes e Marcela. Fiz amizade sincera com a moça simples que limpava e ajudava a recepcionar no hotel, uma boliviana cujo nome me esqueci. Fiquei brother do guarda noturno, um argentino de Santa Fé, torcedor do Unión (que subiu pra primeira divisão), poliglota total (5 ou 6 línguas, o caboclo falava). Fui a pé pra estação de trem, mesmo com o convite das argentinas pra eu ir com elas de táxi, e isso arrancou elogios do guarda noturno, que disse num razoável português: 'ele é brassileiro, paulista, e não tem medo de nada!'. Fiz sinal de positivo pro brow, tchauzinho a la V. pras hermanas e parti com a mochila que a essas horas nem pesava mais.


18/05/2011

Fronteira e casa

    A viagem de trem foi apertada e sonada (fiquei num 'dorme-acorda' de dar dor nas costas). Um sujeirto gordo estava ao meu lado e ocupava parte do meu banco. Chegamos em Villazón cedinho, estava frio demais, me deu saudade do clima brasileiro. Peguei o mochilão no bagageiro do trem e e saí a pé em direção a La Quiaca, o lado argentino da fronteira. Dois ingleses de Liverpool, que torciam pro Manchester (achei isso um absurdo tão grande quanto um paulista torcer pro Vasco da Gama), aproveitaram minha determinação de brasileiro raçudo e me seguiram a duras penas.

   Atravessei a fronteira tranquilamente. A área do controle fronteiriço estava vazia e os policiais e funcionários argentinos foram muito gente boa. Estou em casa, foi o que senti. Realmente me sinto muito bem na Argentina. Se nos outros países por onde passei eu me senti quase não estrangeiro, nas terras prateadas do país que é nosso maior rival e melhor amigo ao mesmo tempo me senti (e sinto) quase um nativo. 
     
Saiba mais sobre a longa viagem da fronteira a Salta e sobre os mascadores de coca no próximo capítulo. 

En la frontera...viento y hambre, siempre.



25 - O Salar de Uyuni

A cidade e o salar de Uyuni: Uyuni é uma pequena cidade da província de Potosí. É ponto de partida das expedições para o deserto de sal. Dizem os estudiosos que cerca de 40.000 anos atrás havia um gigantesco lago onde hoje se localiza o deserto salgado de Uyuni. O lago secou e dele restou a extensa planície de sal, a maior do mundo, conhecida como Salar de Uyuni.


   
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17/05/2011


  Espetacular esse nome, não? Salar de Uyuni. Quando ouvi falar dele pela primeira vez já rolou um sentimento que seria equivalente, caso se tratasse de uma mulher, a uma paixão platônica. Paixão porque era algo que doía, que remoía, que causava desconforto, que desafiava, e portanto, ao menos no primeiro momento,  não era amor; platônico porque parecia algo dum outro mundo, algo que, embora me pertencesse num nível não consciente nem palpável, aparentemente não poderia ser alcançado nessa vida. Sempre tive mania de transformar coisas reais e possíveis em quimeras.
     O lado bom de se impressionar exageradamente com tudo é que me tornei um sujeito de imaginação fértil e tirei emoções absurdas de coisas absolutamente banais, transformando situações normais em algo grandioso. O lado ruim é que em muitos períodos (às vezes durante meses ou anos a fio) tenho crises de fantasia, crio problemas que na verdade não existem, vejo a realidade de forma incorreta, alimento pesadelos, somatizo doenças.

     Mas estamos aqui pra falar do tal salar que me desafiou desde o primeiro momento, como que me convocando: 'vem me ver que estou te esperando pra marcar sua vida pra sempre'. Sim, o maior salar do mundo (que fica aqui na nossa Bolívia, na nossa América do Sul, sim, senhor) decretou que eu não poderia morrer sem conhecê-lo. E como é difícil falar dele. Como descrevê-lo? Vou dizer que é uma enorme planície branca, que é impossível estar nela sem óculos escuros porque o sol reflete e cega de um jeito único, vou dizer que o lugar parece infinito, que quando olhamos de longe as pessoas ficam minúsculas, como formigas se esbaldando num mar de açucar. Vou falar, falar, falar e você não vai entender. 

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     O horário marcado para saírmos rumo ao salar era 9h30 da manhã, se não me engano. Acordei bem antes disso, tomei café com o casal de ingleses e com o espanhol, saí pra dar um 'peão' pelas ruas de Uyuni. Comprei uma camisa (ficou grande, descobri depois), alguns cds de hip hop e rock boliviano e peruano que até hoje não ouvi. Comi uma empanada de carne e conversei uns minutos com Doro, que já nos esperava. Falamos sobre a situação de pobreza da Bolívia, sobre a política de Evo, sobre como o fato de não ter saída ao mar prejudica aquele país.. 

     E lá fomos nós respirar sal e sol. Primeiro passamos por um cemitério de trens, que antigamente eram usados pra o transporte de sal e outros minérios. Em breve, pelo que Doro disse, o cemitério será transformado num museu de verdade, organizado. Depois passamos por uma feira de artesanato de objetos de sal e logo a frente chegamos ao branco infinito.

Fique com as fotos:


Trem fantasma.




Boliviano naturalizado.

Não que eu queira 'pagar de gatão', mas fiquei bem nessa fotografia.



Todos são bem vindos.

24 - Da areia ao sal

16/05/2011

     
     Somente eu logrei uma boa e reconfortante noite de sono no gelado alojamento da Laguna Colorada. O resto do pessoal (pobres europeus e asiáticos) passou todo o café da manhã reclamando por não ter conseguido se  aquecer, por ter estranhado a poeira, por ter acordado várias vezes durante a noite. Dei um sorrisinho bem brasileiro quando me perguntaram e falei: "dormi de sonhar...com discos voadores".
     Tínhamos um dia inteiro de travessia pela frente, então, necessitávamos de muita força. Tomei chá de coca e  café, e comi alguns pedaços de pão com margarina. Temi que algum revertério me pegasse pelo caminho, o que obrigaria o simpático Doro a parar a Toyota para eu fazer o simpático 'dois' nas areias do Deserto de Siloli. Certamente, se isso ocorresse, eu não encontraria muita dificuldade, mas mesmo assim fiquei apreensivo, torcendo contra.
     O último banco da caminhonete (na frente com o motorista estava o inglês, que havia passado mal de soroche durante a noite; no segundo banco, as três mulheres; no último, eu e Francisco, sujeito mais que gente fina, que inclusive disponibilizou alojamento em sua casa, caso um dia eu queira conhecer a Espanha) estava muito menos confortável no segundo dia do que no primeiro. Doía a bunda, os joelhos, as costas, o pescoço. De vez em quando alguma das meninas perguntava se queríamos trocar. Eu dizia que não, que estava ótimo, afinal, soy hombre, carajo.
     Na verdade, o segundo dia foi mais difícil que o primeiro pra todo mundo. O pessoal não conversava tanto, nem se demorava muito nas fotos. Como eu havia curtido muito nosso entrosamento no dia anterior, fiquei meio ressabiado e comentei com Evi, a inglesa, sobre isso. Ela disse que todo mundo devia estar meio cansado. Concordei, mas achei que além do cansaço, as pessoas haviam sido capturadas pelo espírito do deserto, que obriga todos a se recolherem numa solidão de reflexão, que pode ser triste ou alegre. Naquele dia eu fiquei mais triste que alegre no período da manhã, mas à tarde reverti a situação.

     A paisagem do segundo dia é tão bonita quanto a do primeiro. Destaco abaixo, na foto, a Árbol de Piedra, uma formação rochosa que devido à erosão adquiriu o formato de uma árvore.

Árbol de piedra. O cara bonito aí sou eu.

     Almoçamos num povoado cujo nome não me lembro e paramos no meio da tarde numa cidade chamada San Cristóbal, onde há uma mina de carvão em atividade. Não visitamos a mina, apenas andamos um pouco pelas ruas, pela feira e compramos sorvete caseiro de uma senhora gorda. A russa não parava de tirar fotos e vira e mexe fazia pose e pedia pra um dos outros (normalmente eu) take pictures dela. Haja paciência.

     Chegamos em Uyuni no final da tarde. Deixei as coisas no quarto e saí sem tomar banho (já ia fazer dois dias que meu corpo não via água) pelas ruas da cidade que dá nome ao maior deserto de sal do mundo, o Salar de Uyuni. Na estação de trem comprei passagem para Villazón, na divisa com a Argentina, meu próximo destino e logo em seguida parei numa lan house para conferir o resultado da final do campeonato paulista (o jogo havia ocorrido no dia anterior) entre o meu Corinthians e certo time pequeno. Perdemos. Fiquei com vontade de quebrar a lan house, mas, ao invés disso, peguei uma cerveja e andei, andei, andei. Depois voltei ao hotel, tomei banho, jantei, escutei piada do espanhol Francisco, que sabia da minha torcida pelo Timão e também consultara o resultado na internet, e dormi. No dia seguinte, bem cedinho, partiríamos para o salar, outro ponto alto da viagem.

     Dá-lhe fotos, senão me puxam a orelha.

Bem louco. 



Vixe, fartô água no radiadô... 


 Mão aberta pra dar e receber. Mais pra receber, confesso.

 Dessa ela gostou.

Pescoço, mãos e câmera pra fora da janela.