Vamos juntos e livres por Brasil, Bolívia, Peru, Chile e Argentina.

19 - Ver o mar, caminhar, ler Rojas e chorar.

12/05/2011


ARICA - CHILE

        Peguei o táxi pra Arica logo após o meio dia. O camarada que ia nos levar pediu meu passaporte e saiu com ele lá pra dentro do terminal. Bateu certo medo. Um rapaz moreno, alto, possuidor do semblante de quem faz amizade fácil, puxou conversa comigo. Disse pra eu não me preocupar, pois a coisa ali funcionava assim mesmo. Era chileno e se chamava Adrian. Natural de Arica, pra onde estava indo visitar um primo, atualmente morava em Calama. Como todos os chilenos, estava preocupado com a provável vitória de Ollanta na disputa presidencial peruana. Chile e Peru têm disputas referentes à fronteira marítima entre os dois países e Ollanta, na campanha eleitoral,  prometia fazer um governo nacionalista e, quiçá, belicoso. 

    O Chile teve ou tem disputas territoriais com todos os seus vizinhos. Adoro aquele país, que fique claro, mas...francamente. Devolvam o mar pra Bolívia, ordena o revolucionário que dorme debaixo da pele desse brasileiro ignorante, que nem sabe direito da história e fica querendo dar palpite. 

     * * *

     O terminal aduaneiro integrado Arica (CHI) -Tacna (PER) é de longe mais moderno e organizado do que todas as outras aduanas por que passei, incluindo as da viagem anterior. As duas cidades ficam próximas, mas não são conurbadas. O trecho de estrada que liga os dois países deve ter cerca de 15 km.

     O táxi nos deixou no terminal rodoviário de Arica, que não fica longe da entrada da cidade. Troquei  meus soles peruanos por pesos chilenos com um cambista e paguei o taxista em moeda nova.  Adrian me guiou até o guichê onde eram vendidas passagens de Arica para Calama (para onde ele iria) e San Pedro de Atacama (meu próximo e tão aguardado destino) e me levou até o guarda-volumes, onde deixei minha mochila, já sem medo algum. Desapego quase total. Me despedi do novo amigo provisoriamente, pois logo mais, à noite, nos encontraríamos novamente, já que viajaríamos no mesmo ônibus (Arica-Calama-San Pedro de Atacama).

      Sem o cuidado devido, saí a caminhar pelas ruas sujas de Arica. O caminho da rodoviária à praia passava obrigatoriamente por uma região industrial onde dezenas de fábricas médias, grandes e pequenas, de muros longos e calçadas mal conservadas e desertas, davam um ar de faroeste ao meu rolê. A medonha sensação de que seria atacado por algum cachorro, a qualquer momento, me acompanhava. Mas eu seguia.
       
         Na praia, além de mim e do lixo acumulado, havia um jardineiro a cuidar da uma área verde que existe  na beira do calçadão. Mais à frente havia um playground triste, ausente de pibes. Ao longo da areia suja, se via cachorros de vários tipos, com caras de loucos e famintos, sujos de areia e sal. Haviam aves também,  pra todo lado.
        Não tão longe do pedaço de areia onde me sentei, se via um grupo de meninas colegiais. Uma delas, gordinha, arriscou um mergulho n'água e dentro do mar permaneceu por mais de dez minutos. Eu fiquei ali parado, não sei por quanto tempo, olhando o mar, a areia escura, o sol mínimo, apagado pelas nuvens cinzas que cobriam o céu de fora a fora. O dia estava triste.
         Lembrei-me do companheiro Marcel, da nossa andança pelas areias daquele mesmo oceano Pacífico em Viña del Mar, um ano atrás. Me fez falta sua energia e disposição. Pensei que aquele momento seria melhor vivido se ele estivesse ali. Se assim fosse, certamente andaríamos um pouco pelo mar, pararíamos alguém pra perguntar alguma coisa boba, sentaríamos num bar, tomaríamos alguma cerveja local, e conversaríamos sobre como era bom estar conhecendo mais um pedaço do Chile; talvez falaríamos algo sobre música e fatalmente planejaríamos alguma balada pra noite que se aproximava veloz.

      O fato é que eu estava ali sozinho. E melancólico, um pouco além do limite. Voltei pra rodoviária; pedi um lanche, que joguei fora, pois estava mais que ruim; saquei um pouco mais de dinheiro chileno num caixa eletrônico credenciado; peguei um táxi coletivo e fui pro centro da cidade. Comi uma boa McOferta num dos McDonalds mais bonitos que já vi e andei que nem cachorro perdido. Vi muita coisa bonita, mas o que me encantou mesmo, mais que tudo, foi o livro que comprei numa feirinha de rua: El vaso de leche y otros cuentos, de Manuel Rojas.

      De volta à rodoviária, entrei na internet via lan house local. Matei saudades dos e-mails, falei com Rocio, a amiga mendocina, via Facebook. Falei com a Nena, via msn. E fui prum dos bancos próximos à área de embarque esperar o ônibus. Ali, sentado em desconforto, abri o livro recém comprado e li a primeira história, "El vaso de leche". Achei a mensagem tão tocante, tão bonita e, talvez por estar mais sensível do que devia, chorei ali mesmo, sem me preocupar com nada nem ninguém. O deserto do Atacama me esperava, a parte mais verdadeira da viagem estava chegando, e eu nem havia me dado conta disso, ainda.  Mas já chorava, como quem tem um entendimento prévio e subconsciente de que pra entrar no deserto é preciso estar com a alma limpa. E eu estava.

O Atlântico que eu conheço é mais bonito. 


Arica, sempre no meu coração.

Mais uma peatonal chilena.




Pausa pra bubiças



A parte ruim da postagem...

Poema bobo

Tarde chuvosa, sem luz
Mente enevoada, o coração me conduz
Peguei tua foto à toa
E te vi sorrir numa boa
Quis escrever algo pra ti
Mas me guardei, sem alarde
Fiquei apenas a olhar tua foto
Que iluminou o resto da tarde



Abaixo, a parte boa...





Faz de Conta (Engenheiros do Hawaii)
De Humberto Gessinger e Melissa Mattos

Era claro
Espelho d'água
Perfeição que a pedra destruiu
Uma onda
Mais uma onda
Outras ondas e já não tem fim
Agora é centro
Do movimento
A qualquer momento pode transbordar
Quando a pedra caiu na água
Quando o espelho
Foi ao chão
Quem estava ao teu lado?
Quem estava com a razão?
A pedra afundou
A onda inundou
Faz de conta que eu fui mais legal!
Faz de conta que eu fui mais legal!
Malas prontas
De hoje em diante
Mais distante talvez, menos mal
Desencanto na garganta
Faz de conta que eu fui mais legal!


18 - Outra vez fronteira

"Os que mandam acreditam que melhor é quem melhor copia. A cultura oficial exalta as virtudes do macaco e do papagaio. A alienação na América Latina: um espetáculo de circo. Importação, impostação: nossas cidades estão cheias de arcos do triunfo, obeliscos e partenons. A Bolívia não tem mar, mas tem almirantes disfarçados de Lord Nelson. Lima não tem chuva, mas tem telhados a duas águas e com calha. Em Manágua, uma das cidades mais quentes do mundo, condenada à fervura perpétua, existem mansões que ostentam soberbas lareiras, e nas festas de Somoza as damas da sociedade exibiam estolas de raposa prateada."

A alienação/2 - Eduardo Galeano


    
     O pensamento acima não é tão recente, nem tão velho. Tem muito de verdade ainda, embora algo tenha começado a mudar. O Brasil não é citado no texto. Andam copiando e admirando o Brasil por aí, dentro e fora de nosso continente. Hermanos, copiem à vontade! Estamos começando a copiá-los também e isso é bom porque aproxima os que foram separados por fronteiras fictícias. Agora, pra vocês de fora, estrangeiros que pensaram poder fazer daqui vosso quintal, minha cultura tem direito autoral.

OBS: Perdoe a arrogância. Não posso deixar de fazer esse tipo revoltado e politizado que na verdade não sou. É que no fundo não perdi a mania de falar no vazio.


12/05/2011

TACNA - PERU


     Há alguns dias eu não assistia televisão deitado numa cama confortável. A última vez tinha sido em La Paz, e eu não estava tão confortável assim, pois o assombroso soroche me massacrava. Estranho, mas me deu saudade do soroche, agora. Em Tacna, no Hotel Sudamericana, tomei um banho como há tempos não tomava, lavando todos os cantos do corpo e do espírito. Cansaço bom, o que eu sentia. Alívio melhor ainda senti depois do banho. E deitei largado naquela cama toda. A colcha era vermelha, se não me engano, e o cobertor marrom claro cheirava a amaciante.

     Entre os inúmeros canais disponíveis encontrei a Globo Internacional e me distraí com alguma minissérie que estava sendo reprisada. Logo adormeci. Não lembro com que ou com quem sonhei. Sei que ao longo da viagem um mesmo sonho se repetiu várias vezes. Eu estava numa fase de não me importar nem prestar muita atenção nos sonhos, então não me lembro exatamente como era esse sonho repetido. Só lembo que era com ela, e ela sabe. E naquela noite, em Tacna, aposto com qualquer espírito que tenha dormido ao meu lado que devo ter sonhado com ela de novo. Aposto.

      Acordei cedo. Eu queria querer ficar na cama. Mas eu não queria. Queria rodar, pra variar. Levantei, alonguei por dez minutos, escovei os dentes mais rapidamente do que deveria (foda-se, ela não estava ali), meti a camisa amarela da seleção brasileira e saí. Fui até o terminal rodoviário me informar como poderia fazer para ir de Tacna, no Peru, a Arica, no Chile. Me disseram que haviam táxis por preço fixo que faziam o trajeto. Eram táxis coletivos. Fechou, pensei.

      Eu que não sou de tomar café da manhã estava a fim de fazer um bom desjejum.. Queria sentar, comer, pensar na vida. Coisas que qualquer pessoa normal que toma café da manhã faz. Mas deve ter algo em mim que me acusa: 'esse cara não combina com café da manhã'. Escolhi cuidadosamente um dos inúmeros bares/lanchonetes que haviam na praça de alimentação da rodoviária, escolhi mais cuidadosamente ainda a mesa à qual iria me sentar, analisei calma e criteriosamente o cardápio, e escolhi: café com leite e pão com manteiga. A moça, de avental e cabelos sujos, me trouxe o pão, que estava gostoso, uma xícara, que estava limpa, uma jarrinha com água quente, o que estranhei, e uma latinha de café com leite em pó. Puta merda, eu queria café com leite mesmo, não café com leite em pó.
      Dali a pouco chegaram três senhoras negras, grandes e fortes, e perguntaram se podiam sentar comigo. Sí, disse, meio que engasgando com um pedaço de pão. Eram falantes, as mulheres. Eu apostaria que eram brasileiras, se não falassem espanhol. Eram colombianas, na verdade. Simpáticas. Alegres. Estranharam quando falei que era brazuca. Perguntaram se haviam muitos negros no Brasil. Eu disse: Brasil es mezclado como Colombia, igual. E senti que elas gostaram de verdade de mim a partir daquele momento. E eu delas. Buenas señoras.

* * *

      A caminhada pelas ruas de Tacna após a malograda (gosto dessa palavra. que mau gosto!) tentativa de tomar um rico café da manhã me rendeu um cansaço bom, aquele que todo caminhante gosta de sentir, e uma frustração pesada: não encontrei nem por decreto a camisa oficial da seleção peruana de futebol. Só em Lima, diziam os vendedores. Só numa próxima viagem, entonces, pensei eu.
 


Apesar de tudo...


  

Pausa para o sacrifício que não dói

22/08/2011

'meu desejo era escrever uma canção bonita pra ela'


     Sentado numa daquelas sarjetas que povoam a memória da minha primeira juventude, eu duvidava de tudo que tivera como clara certeza até então. E duvidava que um dia voltaria a ter certeza sobre qualquer coisa. Tão pouco tempo depois de crer saber o caminho certo, e de falar isso em alto e bom tom pra espalhar ao mundo a segurança e humildade que eu supostamente sentia, sentei-me na beirada da rua pra tentar chorar, mas não consegui. Tentei sentir vergonha, mas não consegui tampouco. Tentei me maltratar, sem lograr sucesso. Mas minha figura ali, cabisbaixa, apagada, era por si só o suprassumo do maltrato, de quem maltrata por querer, de quem se arrepende, pede perdão, e maltrata de novo, e por isso se cansa de si mesmo. Figura típica de quem morre pra vida depois de voltar a errar da forma mais escrota possível. Figura típica de quem torna o erro algo previsível. O coração que havia dentro de mim naquele momento era um coração vazio, de alguém que jogou palavras ao vento pregando retidão e certeza, mas no fundo só tinha carência e dúvida. Luz nenhuma minha alma irradiava naquela hora. Nem escuridão havia em mim. Eu era uma espécie de nada.

      Quando eu havia decidido que seguiria a estrada mais fácil, a da solidão, fugindo do encontro comigo mesmo que o contato com a pessoa amada e enviada por Deus tornaria inevitável, ela apareceu, aquela que  Ele enviou. E me mostrou que na vida certas coisas acontecem, a gente querendo ou não. Quando eu estava no meio dum caminho inventado, que não levava a lugar nenhum, sua alma boa, escondida atrás de um rosto bonito e sedento de vida nova, me pegou pelo braço. Eu pensei que tentei resistir, mas eu só quis mesmo fazer charme. E no meio da incerteza toda, da nebulosidade sem fim, seus olhos continuam sempre abertos, olhando pra mim e dizendo que o imperecível, irreversível se tornou. E eu agradeço com uma gratidão tão calma que nem parece gratidão. E o que me toca falar aqui é que eu gostaria muito de ter talento pra escrever uma canção de amor. Mas o que posso e consigo agora é pedir perdão, dizer obrigado e dizer bem alto: Nena, te amo.

Do homem que de esperar se cansa, e liberta a esperança

17 - O vendedor de ervas

     11/05/2011

     A volta de Machu Picchu pra Cusco foi cansativa, mas minha alma estava em paz. Cheguei na capital do império inca quase meia noite. Jantei num lugar chamado Bembos, que na verdade é uma rede de fast food peruana. Segundo a população local os lanches dali são melhores que os McDonalds. Eu estava tão cansado que não consegui, naquela noite,  nem consigo, agora, fazer qualquer comparação, mas sempre acharei melhor os sanduíches da rede estadunidense, my first job.

     Resolvi trocar de hotel pra passar a noite mais próximo da rodoviária e poder pegar o ônibus cedinho, no dia seguinte, para Arequipa. O local, verdadeira espelunca, era pior até do que o hostel anterior, que ficava próximo da praça das armas. Mas eu estava morto de cansaço. Tomei uma aspirina original, da Bayer, e capotei, sem me importar com a sujeira do chão e das paredes.
    De manhã bem cedo, com muito frio, me levantei, acertei a conta no hoteleco (o sujeito da recepção ficou me devendo alguns centavos de troco), e saí a passos lentos e um tanto desanimados em direção à rodoviária que ficava a uma centena de metros dali. Várias empresas faziam a rota Cusco - Arequipa e eu acabei optando pela Flores, que possui uma das maiores frotas do Peru.


    Meu corpo pedia repouso, minha mente, sonhos bons. Mas a paisagem era bonita de doer e eu me esforcei pra permanecer acordado e alerta.

Realmente não dava pra dormir sabendo que do lado de fora pairava certo azul que domina e hipnotiza. 

 Abra la raya que yo quiero pasar!

 Azul assim? Só nas cordilheiras.

 Aqui me lembrei da estrada que liga Mendoza ao Chile, e da viagem anterior. As cordilheiras são muitas, mas o espírito que nos conduz por elas é sempre o mesmo.
 Nos meus descaminhos, sozinho, sem saber de mim, emprestando frases do Chico.


     * * *

     Cerca de três horas e meia após ter saído de Cusco, o ônibus entrou em uma pequena cidade e parou numa movimentada, suja e empoeirada rua comecial para recolher e despejar alguns passageiros. Não reparei nas pessoas que desceram, mas entre os que subiram me chamou a atenção um sujeito magro, porém, forte, de estatura entre mediana e alta, pele bem morena, cabelos negros e crespos, cerca de 45 anos de idade. Ele vestia calça e camisa sociais puídas e escuras. Tinha manchas de suor nas partes da camisa  que cobrem as axilas e carregava uma velha pasta catálogo, carregada de plásticos com folhas de papel, fotos, recortes de revistas. O homem não se sentou em banco algum, permaneceu de pé, no meio do corredor, equilibrando-se com maestria ao balanço do veículo.

     Ele vinha falar sobre ervas. Sua voz rouca e cansada, um pouco fraca, contrastava com expressão determinada e agressiva de seu rosto. Quando começou a falar, o som de sua voz era só mais um em meio à algazarra que ocorria dentro do ônibus. Mulheres tagarelando sem parar, velhos contando histórias verdadeiras e inventadas. Mas eu e algumas outras pessoas olhávamos para o homem e logo o ônibus todo parou para ouvi-lo.

      Ele vinha oferecer um produto, um misturado de ervas preparado e comercializado por uma empresa peruana chamada Yerba Santa. Como falava, o tal sujeito! Andava até o fundo do ônibus, voltava, olhava fixamente para um e para outro, pegava sua pasta para mostrar fotos e reportagens que comprovavam o poder curador das ervas. Parte de mim via aquele homem como ele realmente era, um bom e convincente vendedor. Outra parte queria vê-lo como um mago, um andarilho que vagava por uma causa. Como eu estava no Peru, entre montanhas absurdas, rumo à Arequipa, decidi acreditar na magia e comprei dois kits da erva curadora olhando pro sujeito como se ele fosse um guru, nem fazendo questão de receber o troco. De vez em quando ainda tomo o chazinho de ervas peruanas e acho mesmo que ele cura até, ou principalmente, doenças da alma.

* * *


    Cheguei em Arequipa às 17h30. Jantei. Esperei por uma hora o ônibus que sairia dali para Tacna, na divisa com o Peru. Dormi a viagem toda e quando cheguei na cidade fronteiriça já era dia 12, 00h30. Sofri para encontrar um hotel (há muitos em frente ao terminal rodoviário de Tacna) que aceitasse o pagamento a posteriori, pois eu estava zerado de moeda peruana. No final deu tudo certo e eu pude desfrutar um bom resto de noite no Hotel Sudamericana, um dos melhores da viagem.


    

16 - Machu Picchu em imagens

Em alguns casos as imagens falam mais que as palavras. Essa é uma frase mais que feita, mas acho que cabe, em partes, aqui. Abaixo seguem fotografias tiradas dentro do Parque Arqueológico de Machu Picchu. Pedi pra a Nena me ajudar com as legendas. Sou um tipo individualista, ou era, mas penso que seria bom tê-la ali, a Nena, no Peru e na Bolívia comigo. Se assim tivesse ocorrido, as fotos da viagem teriam ficado bem melhor. E minha aventura teria sido muito mais feliz.


Pequeneza e grandiosidade - aqui o homem parece formiga. 


Daniel, tentando mostrar o óbvio. 

Engenhosidade.

Caminhos: cada um escolhe o seu.

Lhama peregrina.

Imponência. 

Podia ser o meu quintal.

 Janela. Ou seria um portal?




E se essas pedras falassem, o que diriam?

Uma a uma, imperfeita simetria. 

É no labirinto que a gente se encontra.

Hermano


Verde, vermelho, pedras, sonhos e sorrisos. 

Bora?

Sem atravessar, não há como saber. 


Into the wild.

Esse post não ia ter trilha sonora, mas mudei de ideia. E a música ("...guardei sem ter por que...explicação nenhuma isso requer...") vai pra menina da legenda, porque é nela que penso quando ouço e quando tento cantar e tocar. E até que o canto fica bonito quando penso nela, modéstia à parte. 

15 - Machu Picchu em palavras

     Finalmente chego à postagem número quinze. Quinze que nesse caso é quase meio, quase metade, como é o dia quinze de alguns meses. O fato é que quando cheguei a Machu Picchu, no décimo primeiro dia duma viagem que durou 23 dias, praticamente na metade dela, senti que a parte missioneira daquela caminhada havia chegado ao fim. A cidade perdida dos incas sempre foi um sonho, desde não me lembro quando. Também sonhei com as pirâmide do Egito, mas passou; com Veneza, na Itália, depois que vi uma foto da dita cidade no álbum de figurinhas da Copa de 1990, mas também passou. Sonhos vêm e vão. Machu Picchu veio e ficou. Primeiro como um sonho a mais, como só um sonho. Depois, acho que por ideologia e teimosia, se tornou 'o sonho'. E confesso que me senti tenso durante a parte da viagem que antecedeu a chegada às ruínas da Velha Montanha. Era como se minha ida até lá fosse por obrigação, não por lazer. Porque na verdade, essas viagens  têm muito pouco de lazer. Não sei explicar o motivo delas, o que busco com elas, mas sei que preciso (ou precisava, ou precisei [precisarei?]) ir. E fui.

Do quechua pro português:

MACHU PICCHU - Velha Montanha
HUAYNA PICCHU - Jovem Montanha 

     Só pra lembrar, a chamada trilogia inca é composta pelo Condor (mundo superior, tempo futuro), pelo Puma (mundo atual, tempo presente) e pela Serpente (mundo inferior, tempo passado). Cusco foi planejada no formato de um grande puma, talvez por representar o mundo real, onde as decisões políticas e outras coisas  aconteciam realmente. Machu Picchu foi planejada de modo a possuir o formato do Condor, provavelmente por se tratar de um centro de estudos avançados. Na verdade, isso é o que achamos, mas se quer saber com certeza, faça conforme aconselhava certo guia turístico cusqueño de nome esquecido: "pergunte pros incas, só eles podem responder." :p

A mágica do 3 em 1 também existe na cultura inca: Condor/Puma/Serpente

10/05/2011


     ...e eu me levantei sem a dificuldade que justificadamente poderia sentir. Estava frio e chovia. Sim, chovia, e pensei: 'eu vim pra Machu Picchu em maio porque nessa época do ano teoricamente não chove'. Mas naquele dia daquele maio de 2011 chovia, e eu não pude me conter e praguejei em alta voz palavrões cabeludos.
      Me cobri de novo e programei dez minutos de soneca no despertador do meu celular vermelho.

* * *

     Minha ideia era sair bem cedo de Águas Calientes rumo ao Parque Arqueológico de Machu Picchu, numa caminhada quase vertical que duraria, segundo informações, cerca de uma hora. Havia a possibilidade de ir de ônibus também, custava quinze dolares, mas normalmente quem sai bem cedinho e vai a pé (muitas pessoas o fazem) consegue chegar antes da turma que segue via ônibus dolarizado. E como só os 400 primeiros a chegar podem escalar  Huayna Picchu, a montanha maior que fica dentro da área do Parque Arqueológico e de cima da qual se pode ter uma visão total da cidade perdida, decidi ir a pé, justamente pra tentar fazer a subida da Montanha Jovem.

    Dormi mais dez minutos, levantei ouvindo o barulho da chuva (e praguejando), lavei o rosto e escovei os dentes, procurei pelos chocolates que eu havia comprado na noite anterior e praguejei um pouco mais ao lembrar que eles já haviam sido comidos. Chamei meu amigo Daniel, que ainda dormia, e falei, 'mano, acorda logo, não vou esperar muito, temos que ir'. Fiquei esperando lá embaixo, as portas do hotel trancadas e nenhuma das meninas da recepção pra me atender. Nós dois estávamos 'presos' lá dentro.
   A tensão aumentava, e a chuva não diminuía. Comecei a bater na porta pra ver se alguém aparecia para abrí-la. Uma das chicas apareceu saída de um cômodo até então secreto para mim. Tinha a cara amassada, claro, e parecia irritada, claro. Eu disse, 'temos que ir, te avisei ontem à noite que sairíamos cedo; podemos deixar parte da bagagem aqui?'. Ela disse 'não chamei vocês antes porque o guia disse que saindo daqui logo depois das quatro da manhã vocês conseguiriam chegar ao parque; podem sim deixar a bagagem aqui'. 'Obrigado, mas não estou dizendo que você deveria ter chamado a gente, só precisa abrir a porta pra nós. desculpe alguma coisa, tô meio nervoso', eu disse (acho que consegui falar isso tudo em espanhol, mesmo estando bem puto).

    Cabreiragem. Sim, eu estava cabreiro. Assim que a moça abriu a porta, antes mesmo de botarmos o pé pra fora do hotel, a chuva fraca e fria nos tomou para dentro de si. Puta madre. Fomos até a estação de ônibus, eu e Daniel, sem olhar um pra cara do outro, para ver se compensava e se ainda dava tempo de tomar o  busão para o parque. Quando vimos a fila, desistimos do ônibus, compramos capas de chuva e seguimos a pé.

* * *

     Foi dura e longa a caminhada. Estava escuro e outros caminhantes seguiam à nossa frente com lanternas e celulares ligados para iluminar o chão. Eu havia comprado uma lanterna em Cusco, mas a desgraçada não funcionou. Tivemos que nos juntar a um grupo de europeus para aproveitar a luz irradiada de seus equipamentos sofisticados. O caminho de terra, grama e pedra dava um caráter de peregrinação à trilha e esse simples fato fez meu nervosismo diminuir. Seguimos caminhando na velocidade de marchadores atléticos, acompanhando o curso do rio Urubamba até chegarmos à ponte que o cruza onde tivemos que parar e esperar a liberação da polícia peruana para prosseguirmos. Assim que recebemos o ok dos guardas passamos pela ponte que atravessa o rio e antecede a parte mais difícil da jornada. Seguimos mais um trecho largo de terra molhada e alguns metros a frente iniciamos a subida da montanha, caminhando por trilhas estreitas e escadarias naturais. Águas Calientes fica numa altura aproximada de 2000 m, Machu Picchu 2.400 m. Há uma estrada em formato de caracol por onde os ônibus sobem para vencer a distância (6km) e a diferença de altitude (400m) entre a cidade e o parque. Os peregrinos como nós que encaram fazer a subida a pé 'cortam' esse caracol. É uma subida bem íngreme.  

Essa foto eu mesmo tirei e coloquei as setinhas pra tentar convencer as pessoas, movido por impura vaidade,  de que foi heroica  nossa jornada de Águas Calientes a Machu Picchu. Olha só: o ônibus sobe em ziguezague ou caracol (setas pretas) e nós subimos direto, cortando (seta vermelha). É subida pra mais de metro, cumpadi! Merecemos congratulações!

    
Daniel e eu. A gente chegou cansado. 

Com muito orgulho, sim senhor!

    Chegamos exaustos e doloridos à entrada do parque. Ficamos sentados, ofegantes e contemplativos esperando nosso guia chegar e reunir a turma para o passeio guiado. Retirei a permissão, numa espécie de bilheteria, para subir Huayna Picchu. Mas estávamos muito cansados e havia chovido bastante, de modo que a montanha estava escorregadia, e acabamos desistindo da subida. Ou seja, todo aquele esforço pra chegar entre os quatrocentos primeiros havia sido em vão...ou não.

   Não sei descrever a emoção e o sentimento que senti nos momentos que passei dentro da cidade perdida. Não sei se houve surpresa ou decepção. Sei que foi como se a vida real tivesse ficado interrompida durante os instantes que passei ali, como se eu vivesse um sonho muito real, lesse um livro muito bom ou visse um filme muito verossímil.
   O passeio guiado foi rápido e serviu apenas para obtermos algumas explicações sobre a história e o significado das construções de pedra. O que mais valeu foi o tempo livre que tivemos para passear pela cidadela. Dentro de Machu Picchu meu corpo continuava a doer, mas eu nem pensei em praguejar. A contemplação não anulava a dor, mas amortecia o sofrimento físico, que eu sentia naquele momento, e o sofrimento espiritual, intrínseco a mim, que sinto desde que cheguei a esse planeta de provas e expiações. Aquele estado de contemplação me aproximava do que seria a resignação ideal, que não é ignorante nem inteligente. É uma resignação específica, que nos aproxima do Deus que há em nós.

Chegará o dia em que escudo e espada serão desnecessários.

14- O Vale Sagrado

09/05/2011

As terras que margeiam o Rio Urubamba (ou Vilcanota), foram batizadas pelos Incas de Vale Sagrado. Ao longo do vale há vários sítios arqueológicos considerados de grande importância para quem busca compreender a cultura inca, e muitas plantações.  Abaixo, um mapinha para facilitar o entendimento.




     Eu e Daniel, o amigo peruano, havíamos 'pego' balada no Mama África, em Cusco, na noite anterior, após o passeio guiado pelos sítios arqueológicos nos arredores da cidade imperial. Eu voltei 3 da manhã pro hostel. Ele, mais empolgado, voltou às 5h30. Eu acordei com vontade de ficar mais algumas horas na cama, mas encarei a realidade e levantei sem maiores traumas para fazer o passeio ao Vale Sagrado. Ele não acordou, totalmente entregue à vontade de permanecer dormindo, e causou problemas para o pessoal da agência de turismo. Tiveram que disponibilizar um carro para buscá-lo e levá-lo para que ele se juntasse a nós em Chinchero, primeira parada do passeio. Mas tudo bem, esse episódio, no fim das contas, animou e ajudou a entrosar o grupo.

Os descaminhos do vale





     Gostei muito de tudo que vi ao longo do Vale Sagrado. Montanhas de cores, tipos, tamanhos variados; rio(s) mudando de direção, largura e fundura; áreas verdes, de vegetação nativa ou não, de tons infinitos; pedras antigas, do tempo inca que ficou pra trás; pedras novas, das construções atuais, que provam que não há beleza pura e genuína no planeta, no que se refere à obra do homem. Tudo aqui é cópia dum mundo melhor, que supomos conhecer. Será que o outro mundo, aquele sobre o qual Platão já falava, existe? Me deixe morrer acreditando que sim.

* * * * *

     Pra algumas pessoas, o Vale Sagrado pode ser só um vale. Pra outras, pode ser realmente uma porção sagrada do mundo. Eu acredito que se trata de um lugar especial, embora não tenha conseguido me conectar totalmente (e sem barreiras), durante a maior parte do caminho, à energia que pairava (paira) naqueles ares.

     Mas em Ollantaytambo, parada final do passeio, me encontrei. Em Ollanta, só pros íntimos, me encantei. Descobri o que é querer ficar e conhecer. Descobri o que é não pensar sobre as coisas. Eu só queria andar e olhar, sem conseguir pensar profundamente sobre como aquilo tudo podia ter sido feito num tempo em que a tecnologia que existia estava num nível tão primitivo.



Escadaria Monumental.
 Quem aguentar subir ela toda, dizem, chega no céu. Eu subi, mas não vou contar o que havia lá.

 Na pedra, o rosto severo de quem olha e julga tudo.


Área verde em meio as pedras.

As ruelas da parte da cidade que ainda é habitada.

     Uma cerveja com meu hermano Daniel antes de pegar o Trem que liga Ollanta a Águas Calientes.

     Depois da cervejinha da foto acima, me dirigi à estação ferroviária de Ollanta para pegar o trem que vai até Águas Calientes, a cidade mais próxima de Macchu Picchu, onde as pessoas pernoitam antes de partir cedinho, a pé ou de ônibus para as ruínas famosas.

    Não lembro quanto tempo durou a viagem, duas horas, acho. Não lembro exatamente o que jantei quando cheguei em Águas Calientes. Lembro que comprei três chocolates, pretendendo guardar um ou dois para o dia seguinte. Claro que não consegui, Comi os três, tomei o melhor banho da viagem, até então, e dormi bem.

     O relógio despertou às 3h00 e me tirou de sonhos até que tranquilos...