Vamos juntos e livres por Brasil, Bolívia, Peru, Chile e Argentina.

29 - Os últimos momentos no estrangeiro

20/05/2011

Salta, la linda


      Eu poderia não escrever nada nesse post e simplesmente enchê-lo de fotos da cidade de Salta. Poderia ocultar que fumara marihuana com um dos caras do hostel na noite de 19/05, depois de ter tomado um monte de cerveja num dos bares da peatonal balcarce. Marihuana da boa, plantada e cultivada por ele mesmo, o cara do hostel. Marihuana bem diferente dessa prensada - chamada de 'paraquaya' pelos argentinos - que fumamos no sudeste do Brasil.

       As estripulias da noite, entretanto,  não me impediram de acordar cedo e dar o último giro pelas ruas argentinas, antes de embarcar de volta, rumo a Foz do Iguaçu.  Sendo assim, resolvi não ocultar nada, já que a parte que me diminui não foi forte o suficiente pra anular a parte que me faz (e fez) sacudir a roupa suja, respirar até encher o pulmão e tudo mais, e seguir a passos firmes pelos caminhos que, já percorridos ou não, permanecem sempre vivos na minha mente de boa e errática noção geográfica.

     Passei pela Balcarce pra fazer fotos do point noturno salteño, mas de dia o calçadão estava sem graça nenhuma. Andei mesmo sem rumo certo, passando por ruas e praças cheirosas e iluminadas, querendo chegar de um jeito ou de outro na estação de onde partem os bondes (teleféricos) rumo ao cerro San Bernardo. Cheguei à estação, tomei o bonde, andei pelo cerro, descansei o corpo pelos bancos de madeira vazios, mirei dos mirantes. E lá de cima, olhando as ruas aparentemente planejadas da cidade estendida, percebi que minha vida andava realmente sem sentido. O que buscamos? O que eu buscava ali, sozinho? Pra que fazia aquilo? Pra teimar em realizar sonhos de num tempo passado, no qual era bom sonhar? Ou pra poder contar pra todo mundo, depois, o tamanho da minha coragem? Pra matar o pai inimigo que eu criara dentro de mim, mostrando: olha o que eu faço sozinho? Perguntas cujas respostas não virão, mas que o tempo tratará de aquietar, espero.

      Hoje, percebo o que naquele momento, em cima daquele cerro, talvez eu tenha vislumbrado como fumaça distante. Percebo o quanto a minha geração é covarde e perdida. Nosso mundo nos impede de focar a visão em qualquer coisa que seja. Nossa mente está nas nuvens. Podemos fingir que somos o que quisermos. Podemos brincar de casar, brincar de ser adulto, de ser viajante, de ser escritor, de ser músico. Podemos acreditar e falar aos quatro cantos (mesmo em português errado) que somos maduros, conscientes, donos de  si (de nós) e da verdade, mas na verdade, com trinta ou trinta e cinco anos, somos ainda (e mais ainda) um bando de adolescentes.

        Desde pequeno eu tive a possibilidade de vestir um bom uniforme e ir pra escola munido de razoável material escolar. Até caixinha com lápis de cor (doze cores) eu tinha (e giz de cera), mas ficava com inveja dos colegas que tinham caixas de lápis com 24 ou 36 cores. Meu pai só completou a quarta série do ensino fundamental e quando tinha oito anos já ia pra roça ajudar na colheita de café. Levava marmita, que comia fria.
       Eu fui pra um monte de cidades, alguns estados, meia dúzia de países. Meu pai nem carro dirige. Por um momento longo me achei bom por conta dos lugares que conheci. Hoje me acho ridículo. Durante quase minha vida toda achei que não poderia (deveria/gostaria) me espelhar em meu pai pra nada. Hoje tenho nojo de mim por ter pensado assim e digo pro meu orgulho: não adianta chorar como quem pede pena, arque com seu passado. De um tempo pra cá tenho tentado olhar pro velho e recuperar o que perdi em trinta anos de falsa rebeldia. Não sei se vou conseguir. Não sei porque estou falando essas coisas. Esse, definitivamente, não é um blog pra você que quer encontrar informações de viagem. Essas são palavras de alguém que está perdido e que luta pra aceitar o otimismo como caminho verdadeiro, mas que tende sempre, como os bêbados, andarilhos e amantes da noite, a cair no poço do pessimismo que paralisa. Mas ouça: isso vai mudar. Está mudando. Nasci para fazê-lo, e lograrei.

       Fato verdadeiro é que ali, em cima daquele cerro, alguém soprou nos meus ouvidos pistas e dicas sobre a vida. E ainda dá tempo de acertar. Fato verdadeiro é que Salta é mesmo uma cidade linda, que vale a pena ser conhecida e explorada. Não deixe de ir ao Museu de Arqueologia de Alta Montanha (onde há corpos mumificados); fique atento ao horário da siesta, das 13h00 as 16h00, durante o qual a maioria das lojas fecham para que os donos e funcionários possam almoçar e dar aquela dormidinha tão latina que, às vezes, dá sentido à vida.

      Outros fatos verdadeiros:

    - fui a pé, quase correndo, pra rodoviária e por pouco não perdi o ônibus;
    - o ônibus tinha excelente serviço de bordo (também, foram 23 horas ali dentro, de Salta a Puerto Iguazu);
    - assisti "Marley e eu" dentro do ônibus e tive que fingir que olhava a paisagem pela janela pra esconder da holandesa que estava ao meu lado o quanto eu chorava de tristeza por conta da morte do cão;
    - as fotos abaixo não são boas, mas valem muito mais à pena do que o texto de pseudo redenção que escrevi aqui.
       

A peatonal Balcarce, sem graça à luz do dia. 

Monumento sem cheiro 


O bonde 

Vista do Mirante - cerro San Bernardo 

Ruas retas. Planejamento? 





Muro do convento 






Adeus, Argentina!