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Prólogo - A esquina do meio

Para Marcos Rey e Julio Cortázar


Março/2011


    Eu fumava um cigarro imaginário na esquina de cima, sob o toldo amarelo da locadora do Charly, enquanto esperava a chuva fina de fim de março passar. Na esquina de baixo, onde não chovia, algumas moças tagarelavam e riam alto. Uma delas, vestida com uma calça jeans bem justa e uma blusinha preta, decotada, virava a todo momento o rosto para a direção em que eu estava. Outra, vestida com roupas sóbrias, não se virava para me olhar, mas de algum modo me via e sabia sobre mim segredos que eu não contara a ninguém.

    Da esquina onde eu estava era possível visualizar vários caminhos. Eu poderia optar por qualquer um deles, assim que a água parasse de cair, mas já sabia exatamente para onde ir, de modo que não era mais necessário pensar, só esperar. O toldo, agora mais bege do que amarelo, dava sinais de que não aguentaria a chuva por muito tempo. Era necessário que ela cessasse brevemente, pois eu não carregava guarda-chuvas e não poderia me molhar, em hipótese alguma.

    Às meninas da esquina de baixo, se juntaram alguns garotos com idade entre dez e doze anos. Eu conhecia o rosto de cada um deles, mas não conseguia me lembrar o nome de nenhum. O rosto e o corpo das moças também se tornaram familiares para mim, de repente. Algo estranho parecia acontecer. Todas aquelas pessoas da outra esquina haviam sido meus amigos de infância, de juventude ou de outras vidas, mas eu não conseguia recordar seus nomes.

    Assim que terminei o cigarro e joguei a bituca no mato molhado do terreno baldio ao lado, a chuva passou. Eu queria continuar olhando para as pessoas da esquina de baixo, queria lembrar o nome de todos que estavam ali, falar sobre nosso passado em comum, sobre o que tínhamos vivido juntos, mas não podia. A chuva havia cessado e eu já sabia exatamente qual esquina dobrar e que caminho seguir.

2 comentários:

  1. Vamos mergulhar nessa bonita viagem em diferentes sensações, cores, sentidos e uma pitada de saudade ;]

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  2. este é um dos especiais. dos textos seus, tão seus...
    incrível como, embora sinta que é algo criado para explicar a si mesmo alguma coisa que só você entenderia, o texto vai além. porque parece uma pequena historinha, mesmo, completamente capaz de nos brindar com imagens e sensações.

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