08/05/2011
De Puno a Cusco viajei num ônibus leito, muito confortável. O nível da empresas peruanas é muito bom, os ônibus são excelentes, com serviço de bordo, e pontuais. Saí de Puno por volta 22h00, novamente me arriscando numa viagem noturna pelas terras sagradas da América do Sul, e logo dormi, cansado demais das andanças pela cidade. O cochilo na catedral não havia sido suficiente para eu me recuperar totalmente. Acordei quando o ônibus chegava em Cusco, umas 4h00 da madruga. Acordei gelado, com frio, me sentindo mal. Não conseguia acreditar que já estava na antiga capital do Império Inca. Sempre achei que seria um momento mágico chegar ali, mas confesso que o que eu mais queria naquele momento era dormir num lugar quente, seguro, de preferência na minha cama em Araraquara. Pobre mortal.
No descarregamento das malas, um gringo chegou me perguntando algo em inglês (provavelmente queria confirmar se tínhamos chegado ao destino), sem ao menos pedir licença ou dizer bom dia. Normalmente me esforço pra entender, tento usar o pouquíssimo que sei e as mãos para me comunicar. Mas eu não estava para conversa, ainda mais em inglês, e mandei com um orgulho lascado um: "I don't speak english, amigo!". Junto com as palavras mandei anexo em pensamento, com votos de que ele me entendesse, uma frase virtual: "Se quer vir pra América do Sul, aprende pelo menos um pouco de português ou espanhol, seu gringo vacilão do caralho". Quanta agressividade. Quanto complexo subdesenvolvimentista. Coitado. Vai ver o cara até era legal, apesar de ser europeu ou norte-americano. Eu é que estava mal.
Peguei minha mochila de guerrilha e fiquei na rodoviária esperando o tempo passar. Eu tinha reservado o hostel em Cusco quando estava em Puno e pra pagar mais barato tinha combinado de dar entrada somente a partir das 10h00. Esperei, esperei e esperei. Uma "pá" de peruanos me olhando de lado, querendo me oferecer bons preços por uma volta de táxi e eu com cara de merda, desencorajando qualquer tipo de aproximação com meu olhar de corintiano maloqueiro.
Deu cinco da matina e não aguentei. Pensei, vou pro hostel, quem sabe me deixam entrar no quarto antes do combinado. Peguei um táxi e fui até o centrão de Cusco, perto da praça de armas. O hostel ficava numa viela escura, não havia alma viva pelas ruas. A fachada da hospedagem, cujas portas estavam trancadas, avisava: o lugar era 'bocada'. Feio de ver. Me deu tristeza. O taxista, sangue bom, bateu na porta, tocou a campainha, jogou pedras na janela, até que um jovem de 16 anos, mais ou menos, apareceu. Cabelos despenteados, cara de sono, tipo querendo me mandar pro inferno. Falei que tinha uma reserva. Ele me mandou subir. E ficar esperando na recepção, que estava vazia, até dar dez horas, quando um dos quartos seria liberado. Que mala leche.
Coloquei a mochila num canto, sentei numa cadeira próxima à mesinha e me debrucei, tentando dormir. Ocorre que eu sentia frio nos pés, nas mãos, no nariz. Não conseguia dormir. Saquei do bolso interno da jaqueta o livro "El diario del Che en Bolívia", que eu comprara em La Paz, e me concentrei na leitura, que descrevia os dias sofridos dos guerrilheiros, para me convencer de que o que eu estava passando ali naquela recepção fria e suja era fichinha, sofrimento pouco, bobagem. E deu certo. E fiquei com vontade de ter vivido no tempo da guerrilha pra lutar por uma causa. E ali, contente de estar lendo o diário do Che numa cidade onde eu sempre quis estar, meu frio passou e eu pude assoviar encantado e orgulhoso essa música que compartilho com vocês.
E compartilho também o livro que me acompanhou naquela madrugada/manhã: El diario del Che en Bolivia.
'Seamos realistas, exijamos lo imposible...' y no nos olvidemos de soñar. Por Che y por Quijote. Los dos estarán en nosotros, siempre!
poxa vida, que música bonita... não conhecia.
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