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17 - O vendedor de ervas

     11/05/2011

     A volta de Machu Picchu pra Cusco foi cansativa, mas minha alma estava em paz. Cheguei na capital do império inca quase meia noite. Jantei num lugar chamado Bembos, que na verdade é uma rede de fast food peruana. Segundo a população local os lanches dali são melhores que os McDonalds. Eu estava tão cansado que não consegui, naquela noite,  nem consigo, agora, fazer qualquer comparação, mas sempre acharei melhor os sanduíches da rede estadunidense, my first job.

     Resolvi trocar de hotel pra passar a noite mais próximo da rodoviária e poder pegar o ônibus cedinho, no dia seguinte, para Arequipa. O local, verdadeira espelunca, era pior até do que o hostel anterior, que ficava próximo da praça das armas. Mas eu estava morto de cansaço. Tomei uma aspirina original, da Bayer, e capotei, sem me importar com a sujeira do chão e das paredes.
    De manhã bem cedo, com muito frio, me levantei, acertei a conta no hoteleco (o sujeito da recepção ficou me devendo alguns centavos de troco), e saí a passos lentos e um tanto desanimados em direção à rodoviária que ficava a uma centena de metros dali. Várias empresas faziam a rota Cusco - Arequipa e eu acabei optando pela Flores, que possui uma das maiores frotas do Peru.


    Meu corpo pedia repouso, minha mente, sonhos bons. Mas a paisagem era bonita de doer e eu me esforcei pra permanecer acordado e alerta.

Realmente não dava pra dormir sabendo que do lado de fora pairava certo azul que domina e hipnotiza. 

 Abra la raya que yo quiero pasar!

 Azul assim? Só nas cordilheiras.

 Aqui me lembrei da estrada que liga Mendoza ao Chile, e da viagem anterior. As cordilheiras são muitas, mas o espírito que nos conduz por elas é sempre o mesmo.
 Nos meus descaminhos, sozinho, sem saber de mim, emprestando frases do Chico.


     * * *

     Cerca de três horas e meia após ter saído de Cusco, o ônibus entrou em uma pequena cidade e parou numa movimentada, suja e empoeirada rua comecial para recolher e despejar alguns passageiros. Não reparei nas pessoas que desceram, mas entre os que subiram me chamou a atenção um sujeito magro, porém, forte, de estatura entre mediana e alta, pele bem morena, cabelos negros e crespos, cerca de 45 anos de idade. Ele vestia calça e camisa sociais puídas e escuras. Tinha manchas de suor nas partes da camisa  que cobrem as axilas e carregava uma velha pasta catálogo, carregada de plásticos com folhas de papel, fotos, recortes de revistas. O homem não se sentou em banco algum, permaneceu de pé, no meio do corredor, equilibrando-se com maestria ao balanço do veículo.

     Ele vinha falar sobre ervas. Sua voz rouca e cansada, um pouco fraca, contrastava com expressão determinada e agressiva de seu rosto. Quando começou a falar, o som de sua voz era só mais um em meio à algazarra que ocorria dentro do ônibus. Mulheres tagarelando sem parar, velhos contando histórias verdadeiras e inventadas. Mas eu e algumas outras pessoas olhávamos para o homem e logo o ônibus todo parou para ouvi-lo.

      Ele vinha oferecer um produto, um misturado de ervas preparado e comercializado por uma empresa peruana chamada Yerba Santa. Como falava, o tal sujeito! Andava até o fundo do ônibus, voltava, olhava fixamente para um e para outro, pegava sua pasta para mostrar fotos e reportagens que comprovavam o poder curador das ervas. Parte de mim via aquele homem como ele realmente era, um bom e convincente vendedor. Outra parte queria vê-lo como um mago, um andarilho que vagava por uma causa. Como eu estava no Peru, entre montanhas absurdas, rumo à Arequipa, decidi acreditar na magia e comprei dois kits da erva curadora olhando pro sujeito como se ele fosse um guru, nem fazendo questão de receber o troco. De vez em quando ainda tomo o chazinho de ervas peruanas e acho mesmo que ele cura até, ou principalmente, doenças da alma.

* * *


    Cheguei em Arequipa às 17h30. Jantei. Esperei por uma hora o ônibus que sairia dali para Tacna, na divisa com o Peru. Dormi a viagem toda e quando cheguei na cidade fronteiriça já era dia 12, 00h30. Sofri para encontrar um hotel (há muitos em frente ao terminal rodoviário de Tacna) que aceitasse o pagamento a posteriori, pois eu estava zerado de moeda peruana. No final deu tudo certo e eu pude desfrutar um bom resto de noite no Hotel Sudamericana, um dos melhores da viagem.


    

5 comentários:

  1. interessante descrição desse homem, imaginei-o em meio a situação, o ônibus, as pessoas, a dúvida sobre o poder da cura da erva, esse misticismo que nos encanta, a paisagem! Obrigada pela visita ao blog!Você já esteve em Cuba?

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  2. Nunca estive em Cuba, Nicole. Você já? Eu é que agradeço a visita e o comentário!

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  3. ainda pretendo ir! Assim como esse giro pelos países vizinhos, acho que para uma formação mais humanista, menos egoista e se possível não muito capitalista,(rs) é importante!

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  4. Legal, Nicole. Minha namorada e eu temos planos de um dia (talvez 2013 ou 2014) irmos a Cuba (quero aproveitar e passar pela Jamaica tb rs). Ano que vem provavelmente faremos um 'rolê' pelo Brasil.

    Sobre o seu giro pelos países vizinhos, certamente você voltará dele menos egoísta. Na parte 'Informações aos futuros viajantes", desse blog, tem uma série de dicas: hotéis, pontos interessantes a serem visitados, etc...caso queira alguma ajuda pra bolar seu roteiro.

    Abraços

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  5. obrigada, vou lendo as informações "aos futuros viajantes", e me preparando também!

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