30 de abril de 2011
O sábado, 30 de abril de 2011, amanheceu com um sol forte e um céu azul bonito. No inicio da tarde, porém, o tempo já dava sinais de que nublaria. E eu sou um cara que tem sérios problemas com dias assim. Em dias anuviados minha mente fica cheia de nuvens também. Se as nuvens do céu estão cinzas ou negras, minha cabeça fica acinzentada, enfumaçada, e eu acabo ficando triste. Naquela tarde de sábado realmente haviam nuvens sobre (e dentro da) minha cabeça. Nuvens brancas, por sorte.
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Depois de acompanhar pela TV pública argentina a derrota do Racing pro River Plate e conseguir não ficar puto com isso ("foda-se o futebol argentino, eu tô indo pra Bolívia, porra") soube pelo meu pai que o Santos acabara de eliminar o São Paulo na semifinal do Paulistão. Fiquei alegrasso e falei: "pai, meu Corinthians nem precisa ganhar do seu Palmeiras amanhã, só o fato dos bambis estarem fora da final já me deixa contente". Ele deu risada, porque sabia que eu falava aquilo da boca pra fora, um pouco pra agradá-lo, um pouco pra botar a emoção e a ansiedade pra fora.
Na despedida, meu pai me deu um aperto de mão mais firme e me olhou de um modo mais intenso do que costumava fazer. Aquilo não me fez sentir nada especial na hora, mas depois parei pra pensar e vi que algo entre nós realmente estava mudando. O que se passa na cabeça de um pai, e de uma mãe, ao perceber que seu filho já não lhe pertence mais (na verdade nunca pertenceu)?
Minha irmã, que me levaria até a rodoviária, ficou falando ao telefone até as 17h50 e meu ônibus sairia as 18h10. Ou seja, saímos às pressas, na "nóia". Mas acabou dando tempo e foi bom chegar em cima da hora porque pelo menos não tive que esperar por muito tempo naquele banco gelado que eu compartilhei por breves minutos com mais dois homens que iriam, no mesmo ônibus que eu, até Presidente Prudente. Como a ideia era socializar o máximo possível, já mantive contado verbal com os dois caboclos, homens humildes e vividos, mas não me recordo de seus nomes.
O ônibus atrasou poucos minutos. Eu queria levar o mochilão comigo pra dentro, mas tive que colocá-lo no bagageiro. A poltrona em que eu deveria me sentar, de nº 27, estava toda emporcalhada. Falei com o motorista e ele disse que eu poderia escolher qualquer outra que estivesse vazia. Então, sentei no fundo do 'carro', saquei o mp3 da pochete, ajeitei os fones no ouvido, selecionei a pasta Fuerza Natural - Gustavo Cerati e fechei os olhos. Enquanto ouvia a primeira canção do álbum eu pensava que, tal qual diz a letra, os tempos, pra mim, também estavam mudando pra melhor...e eu ficando cada vez mais forte.
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01 de maio de 2011
Acordei no trevo de Presidente Venceslau quando Jose, a moça que havia subido no ônibus em Bauru e se sentado ao meu lado, me cutucou dizendo: "to indo, boa viagem pra você, moço!". Retribui falando: "Jose, vai com Deus, boa sorte!". Eu e a simpática figura havíamos conversado por uns quarenta minutos antes de pegarmos no sono. Ela havia contado que trabalhava numa empresa que faz fotos de criança, de cidade em cidade, de porta em porta. Mulher guerreira e simples.Vivia uma vida de viajante, voltando pra casa, onde vivia só com a filha de 17 anos, de quinze em quinze dias. Pra ela, viagem era sinônimo de prisão; pra mim, de libertação.
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Cheguei em Campo Grande, tomei um café com leite e logo parti pra Corumbá. Eu estava ansioso por esse trecho da viagem que passaria no meio do Pantanal, mas o tempo estava muito feio, chuvoso, frio. Não deu pra observar com muito prazer o caminho nem pra fazer boas fotos. Não deu também pra frear meu pensamento que insistia em seguir por vias obscuras: o que eu estava fazendo ali? havia coisas mais importantes a fazer na vida. o que eu queria provar?
Procurei nos arquivos do mp3 a pasta com as músicas de Oswaldo. Eu precisava ouvir Montenegro, o cara que consegue fazer até as piores letras soarem otimistas. E ali, sozinho num ônibus cheio de pessoas estranhas, no meio dum pantanal chuvoso e feio, num devaneio louco, percebi de novo, naquele momento, que no fundo acho que vivo essa vida pra provar pra mim mesmo (e pra quem fez com que eu me tornasse o que sou) que a vida não é um perigo, que (ao contrário do que diz a letra) não há facas no ar, e que, embora seja preciso ter cuidado, o medo é opcional...e desnecessário. Se pra morrer basta estar vivo, vivamos como se fôssemos imortais, com a responsabilidade que isso exige.
Área alagada, Pantanal - MS
Corumbá também não rendeu boas fotos e não rende boas lembranças. Cidade um tanto desorganizada, como a maioria das cidades fronteiriças o são. Passei um frio danado na garoupa do moto táxi que peguei, por dez reais, da rodoviária até a aduana. Na aduana, passei sem problemas pro lado boliviano, em Puerto Quijarro, e num táxi caindo aos pedaços fui até o hostel Tamengo onde fiz amizade com dois alemães e um nativo, todos muito bacanas.
Controle fronteiriço: CORUMBÁ/PUERTO QUIJARRO - BRASIL/BOLÍVIA
Praticamente todas as ruas de Puerto Quijarro são de terra. Há galinhas, porcos, cachorros. E gente. E carros. E motos. A cidade não tem nada de turístico, mas é dali que sai o trem da morte rumo a Santa Cruz de la Sierra e isso a torna especial. Mas o que a tornou especial pra mim, além do trem, foi o fato do Corinthians ter batido o Palmeiras nos pênaltis e ter ido pra final do Paulistão justamente no dia em que eu chegara ali, em 01/05/2011. Eu estava sem acesso a internet, louco pra saber o resultado e de repente chega uma mensagem no celular: "Vai Coringão". Ah, é sempre bom lembrar e mencionar essas coisas...
Entrada do Tamengo Hostel - PUERTO QUIJARRO/BOLÍVIA, MEU AMOR!
(Olha a pochete, beibe!)
assim pode.
ResponderExcluir:*
ouvi primeiro o Cerati.
ResponderExcluire agora choro copiosamente ao ouvir o Oswaldo e me lembrar (de um jeito estranho, sem conseguir ordenar os pensamentos, mas com o sentimento à flor da pele) de certas coisas, também. ai, ai.