"...eu penso que não sei quem sou, mas lembro bem, com a mente e o coração, do menino que fui, e em alguns momentos nobres essa sabedoria é a que me basta..."
13/05/2011
'Eu já vivi isso antes', foi o que pensei logo ao descer do ônibus em San Pedro de Atacama e caminhar alguns metros pela rua de areia e terra em direção a alguma hospedagem confortável. O céu estava absolutamente sem nuvens, de um azul totalmente arrebatador, que invadia meus olhos sem pedir licença. A areia e as pedras se estendiam infinitamente. Marrom, o chão, azul, o céu. Fabulosa e fatal combinação.
Soprava uma brisa fria. Na verdade, o sopro estava forte, era quase um vento. Não dava pra andar sem blusa de manga comprida, mas se ficasse parado ao sol o calor 'pegava' e a vontade que dava era de tirar a camisa e os sapatos e de se sujar naquele chão que me era tão familiar, embora eu nunca tivesse pisado ali.
* * *
A rua que passava em frente à casa de minha infância era de chão batido. A terra e a grama daquela rua, e do pasto que ficava ao lado, devem estar impregnados de alguma forma nos poros das plantas dos meus pés, na minha cara, nas minhas unhas, no meu corpo todo, porque eu literalmente me misturava aquele chão. O lugar onde nasci e cresci se tornou parte do meu espírito, moldou meu caráter, meu olhar, minha emoção. Definiu as coisas fundamentais que viriam (e vieram), pro bem e pro mal. Eu nem sempre lembro e nem sempre tenho consciência disso, mas em San Pedro de Atacama, logo que cheguei, essa lembrança veio feito tsunami, e inundou meu coração.
* * *
Depois de curta caminhada vi a Pousada Chiloé e de pronto entendi que ali era o lugar onde eu deveria me instalar. A peruana (sim, eu estava no Chile, mas a atendente era peruana) mais simpática, humilde e amável da história da viagem me atendeu, mostrou as dependências da estalagem e bem depressa topei ficar.
Era manhã de sexta-feira, mas parecia uma manhã perdida e ensolarada de domingo outonal, daquelas em que meu pai ficava deitado no tapete, com a porta da sala aberta pra entrar vento, assistindo campeonato italiano na TV Bandeirantes; eu ficava um pouco ali com ele, depois saía pro quintal pra olhar o céu e as árvores do pasto, voltava pra dentro e ia até a cozinha, voltava pra sala, sempre descalço, só esperando a macarronada ficar pronta e minha mãe chamar: “ta na mesa”.
Almocei num restaurante bom e barato, sozinho. Andei pelas ruas da cidade arrastando os pés pra levantar poeira e sentir o cheiro do chão. Visitei a igreja local, a única. Fui de excursão pro Valle de La Luna, uma formação rochosa e arenosa no meio do deserto que lembra muito a paisagem lunar. Conheci um francês, um espanhol e duas holandesas. Conheci o pôr-do-sol do deserto do Atacama. Conheci as gigantescas empanadas atacameñas e parte da não tão agitada noite de San Pedro. E fui dormir. E prefiro agora me calar e deixar o resto por conta das fotos que virão nas próximas postagens desse blog. As imagens suscitam menos metafísica que as palavras, e no deserto do atacama não é necessário metafísica alguma.
"...Todo es mentira, ya verás
La poesía es la única verdad
Sacar belleza de este caos, es virtud
O no?
Tanto pediste retener
Ese momento de placer
Antes de que sea tarde
Vuelve la misma sensación
Esta canción ya se escribió
Un mínimo detalle que cambió
Cerca del final
Sólo falta un paso más
Siente un déjà vu
Déjà vu..."
La poesía es la única verdad
Sacar belleza de este caos, es virtud
O no?
Tanto pediste retener
Ese momento de placer
Antes de que sea tarde
Vuelve la misma sensación
Esta canción ya se escribió
Un mínimo detalle que cambió
Cerca del final
Sólo falta un paso más
Siente un déjà vu
Déjà vu..."
(Trecho de “Déjà vu” Letra e música de Gustavo Cerati)
Retrato de Alberto Caeiro - por Cristiano Sardinha.
"...O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?..."
(Trecho de “Há metafísica bastante em não pensar em nada” – Alberto Caeiro).A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?..."
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